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Abuso Sexual deve ser falado na família e escolas


Autora de livro infantil sobre abuso sexual defende fim do tabu

Segundo ela, falta de coragem da família e das escolas para tratar do assunto deixa crianças expostas e perpetua ciclo de violência

Camila de Lira, iG São Paulo 24/08/2011 15:21
A cada 8 minutos, uma criança é abusada sexualmente no Brasil, segundo a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH). Mesmo com dados estarrecedores, o assunto ainda é tabu entre as famílias e escolas. Algo que a escritora Odívia Barros pretende mudar.
Foto: Divulgação
Odívia Barros: "passei um ano pensando na história. Quando sentei para escrever, levou 20 minutos"
Preocupada com a sua filha, na época com 5 anos de idade, Odívia resolveu inventar uma história cujo intuito fosse orientar a menina no caso de abuso. Assim surgiu o livro “Segredo, Segredíssimo” (Geração Editorial). Para a autora, por mais delicado que seja o tema, ele não pode ser desconhecido pelas crianças – e as escolas também têm um papel fundamental na discussão do tema.

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“Os passos para se evitar o abuso sexual infantil são simples, mas é preciso que as crianças saibam. E ninguém fala nada, as pessoas fingem que isso não existe”, diz ela. “Por isso, quando a criança passa por esta situação, não sabe o que fazer”. Odívia sabe bem do que está falando. Ela mesma foi vítima de abuso quando mais nova. Confira a entrevista.

iG: Por que você resolveu fazer um livro infantil sobre um tema tão forte?
Odívia Barros: Eu sofri abuso sexual na infância. Quando minha filha nasceu, ficava angustiada para tentar orientá-la sobre o assunto de uma forma que não a assustasse. Ao estudar psicologia, aprendi a importância dos contos de fadas para informar as crianças de um jeito que elas entendem. Resolvi fazer um livro com as orientações que eu queria passar para ela. Passei quase um ano pensando na história. Quando sentei para escrever, o livro nasceu em 20 minutos. Aqui no Brasil, a gente age reativamente, quando a criança já passou pelo abuso. Se pudermos avisar num patamar mais lúdico, ela contará quando estiver incomodada e saberá que será acolhida. Quando a criança não sabe qual vai ser a reação dos adultos, ela fica com medo. Esse é o grande problema: como a gente finge que não existe, a criança não sabe qual será a reação.

iG: Quantos anos tinha a sua filha na época? Você chegou a contar a história de “Segredo, Segredíssimo” para ela?
Odívia Barros: 
Hoje ela tem sete anos. Na época, tinha cinco. No dia em que escrevi a história, cheguei do trabalho e contei para ela. Não sabia se ela ia entender, tinha apenas cinco anos. Mesmo assim, na TV e no rádio se escuta cada notícia horrorosa que eu precisava orientá-la. No final do livro, criei um jogo de perguntas, como se fosse um teste de compreensão de texto. Fiz as perguntas com ela, e ela respondeu direitinho. Fiquei feliz que ela entendeu tudo o que queria dizer.
Existem quatro passos básicos para vencer o abuso: reconhecer a situação inapropriada; saber dizer ‘não’; sair da situação rapidamente e contar para alguém
iG: Quais são as principais mensagens do livro?
Odívia Barros:
 A mensagem é ensinar a criança a reconhecer uma situação inapropriada de comportamento de um adulto, e orientá-la a dizer ‘não’ a essa situação. O livro ensina que a criança não vai ser punida. E isso é o que tem mais de errado nessa temática do abuso sexual: elas [as crianças] são as vítimas, no entanto, nós, adultos, não temos coragem de falar sobre isso com elas, e elas se sentem culpadas. Ficam desprotegidas. O livro propõe uma mudança de paradigma. Os estudiosos dizem que existem quatro passos básicos para sair de uma situação de abuso: reconhecer a situação inapropriada; saber dizer ‘não’; sair da situação rapidamente e contar para alguém. Como a criança pode imaginar isso tudo? A gente apenas diz para ela não conversar com estranhos, quando 90% dos casos de abuso ocorrem dentro da família. Não se fala nada da sua família, não se fala para a criança tomar cuidado com um primo ou que um tio pode lhe fazer algo de ruim. O importante é a criança saber que essa situação existe.

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Capa do livro "Segredo, Segredíssimo": autora pretende desmistificar o tabu de abordar o abuso sexual na infância
iG: Quais preocupações você teve ao escrever o livro?
Odívia Barros:
 Tive a preocupação de fazer com que minha filha não tivesse medo dos adultos em geral e dos familiares em particular. No livro, falo sobre pedofilia, sobre abuso sexual infantil, mas não toco em nenhuma dessas palavras. Falo de uma “brincadeira de adulto”, para que ela entenda que existem brincadeiras que os adultos fazem entre eles e não podem fazer com elas, assim, elas já ficam alertadas. Em nenhum momento, porém, descrevo qual é essa brincadeira. O máximo que coloco é o beijo na boca, algo que uma criança já viu na TV. O livro serve para colher quanto de informação a criança tem, não para despejar as informações nela. E ela responde naturalmente, não é um bicho-de-sete-cabeças. Vale muito a pena tratar disso com a criança desde cedo, para que ela se aproprie do conhecimento.

iG: Além das sequelas óbvias, que outros problemas o abuso pode trazer?
Odívia Barros:
 Existe o fenômeno de multigeracionalidade. Ele mostra que o abusador de hoje foi o abusado de ontem. É um ciclo que se repete. Quem é abusado hoje tem mais chances de abusar de outras crianças quando crescer. Ou se tem coragem de colocar este tema dentro da sala de aula e romper este ciclo, ou ele vai continuar sem fim. Nós, adultos, não temos coragem de tratar o tema. O problema não são as crianças: o problema são os adultos, que não têm coragem. 

iG: Como o fato de você ter passado por uma situação de abuso ajudou na hora de escrever o livro?
Odívia Barros:
 Viver a experiência fez com que eu me dirigisse às crianças de forma bastante delicada. Quando fiz o livro, fiquei pensando, se contaria ou não a minha vivência. Concluí que, se no livro falo para as crianças contarem o que ocorre com elas, não poderia deixar de falar o que aconteceu comigo. O importante é a sociedade refletir sobre como está agindo. Quando me dei conta do que havia passado comigo, comecei a achar errado que as pessoas não falassem disso, não deixassem estas coisas claras. Como eu não tinha um livro desse para ler, não tinha o que fazer.

As escolas não têm o direito de se omitir e fingir que pedofilia e abuso sexual não existem
iG: O que os pais podem fazer para ajudar seus filhos a sair de uma situação de abuso?
Odívia Barros:
 Os pais devem dar credibilidade para a criança. No livro, a mãe da personagem diz que ela não fez nada de errado. Quem fez errado foi o “tio”. Isto mostra o acolhimento que as mães devem dar para suas filhas. A relação de abuso sexual infantil é sempre uma relação de poder. É um adulto “esperto”, mais experiente, contra alguém mais fraco. Eles se valem desta relação de poder para manipular. É importante os pais darem credibilidade para as crianças, acreditarem no que elas falam e darem esse acolhimento a elas se algo ocorrer.

iG: Como vem sendo a recepção do livro nas escolas?
Odívia Barros:
 Os educadores avaliaram o livro e indicaram para uso do primeiro ao quinto ano das escolas de rede pública. Mas é muito difícil colocar nas escolas. Uma das escolas visitadas por mim disse que não falaria do assunto “de jeito nenhum”. Disseram que só tratavam dessa temática a partir dos 13 anos de idade. Mas, aos 13 anos de idade, o abuso infantil já passou. Aqui no Brasil as escolas não tratam disso, nenhuma escola coloca essa temática na sua grande. No final, a escola faz o que a sociedade faz. Os pais fingem que não existe. E as crianças, que são as vítimas, ficam sem saber de nada. Os abusadores levam a melhor. 

iG: Qual a importância de tratar este assunto nas escolas?
Odívia Barros: 
Estudiosos sugerem a escola como o lugar ideal para se tratar sobre isso. Se a maioria dos casos ocorre dentro da família, e na família não se fala sobre isso, a criança precisa contar para alguém de fora. Em 52% dos casos, atualmente, as crianças procuram o professor. Afinal, o professor é alguém de fora do círculo familiar em quem elas confiam. O professor, pelo convívio e pela experiência, tem mais noção do que falar para a criança de uma determinada série. Eu acredito que as escolas não têm o direito de se omitir e fingir que pedofilia e abuso sexual não existem. 

iG: O que você acha que pode acontecer se a mentalidade com relação ao silêncio sobre o abuso sexual não mudar? 
Odívia Barros: 
Freud teve que desistir de estudar o abuso infantil, pois a sociedade vienense não suportava o que ele estudava. 110 anos depois, a gente ainda não tem coragem de levantar este assunto. Deixamos nossas crianças à mercê dos abusadores só porque nós, adultos, não suportamos falar sobre isso. Enquanto o pensamento for assim, de manter o silêncio, muitas crianças continuarão a ser abusadas. Não contarão para ninguém e se tornarão reféns dos abusadores. A cada 8 minutos, uma criança é abusada no Brasil. Isso precisa mudar.

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